A NOTICIA EM PRIMEIRA MÃO

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Oncologia: Câncer: ontem, hoje e amanhã

Oncologia evolui para tratamento sob medida para cada paciente, aumentando a expectativa de vida e as chances de cura do câncer.
Não faz tanto tempo assim, câncer era uma palavra que muitos se recusavam a pronunciar. Dizia-se que o indivíduo tinha a doença. Ou uma doença ruim. Hoje, sabe-se que o câncer não é uma, mas uma centena de enfermidades. O conhecimento sobre os mecanismos e comportamentos das células malignas tem revolucionado a maneira de abordar o paciente. Duas pessoas de mesmo sexo e idade, com tumor em um mesmo local, podem receber tratamentos completamente diferentes.
A tendência é, cada vez mais, personalizar as terapias para cada indivíduo, de maneira a obter os melhores resultados no controle e cura do câncer e, ao mesmo tempo, minimizar os efeitos colaterais. Isso tem sido possível graças à grande evolução observada nos últimos anos na oncologia. O câncer continua sendo grave, mas deixa de ser um bicho de sete cabeças.
Na visão do Dr. Sérgio Simon, oncologista clínico do Hospital Albert Einstein, um salto importante foi dado pela análise molecular, que possibilitou subdividir mais especificamente os tumores. Antigamente, eles eram classificados genericamente, de acordo com sua morfologia (aspecto da célula) e origem (mama ou pulmão, por exemplo). Com o melhor entendimento dos processos relacionados à doença, sabe-se que existem diferentes tipos de câncer de mama e de pulmão, por exemplo. “Há cerca de quinze anos, duas mulheres da mesma idade, com tumor de mama de mesmo tamanho e linfonodos axilares de mesmo tipo, eram tratadas de modo idêntico. Hoje, pode ser que elas recebam tratamentos completamente diferentes.”
Outra grande mudança, segundo o Dr. Sérgio Simon, é que as terapias não são mais empíricas como antes. Para descobrir uma droga com atividade antitumoral, o pesquisador isolava uma substância da natureza, como extrato de plantas, algas ou bactérias, e as colocava em contato com culturas de células tumorais. Se a substância matava a célula, eram feitos testes em laboratórios e em seres humanos. “No entanto, 90% dos remédios não davam certo, porque não tinham eficácia ou apresentavam alta toxidade. Era preciso examinar cerca de 150 mil substâncias para se extrair uma que tivesse atividade antitumoral”, conta.
Na atualidade, o que se busca é a descoberta de drogas “inteligentes”. Oncologistas, biologistas moleculares e bioquímicos trabalham juntos na investigação dos mecanismos que levam às alterações moleculares do câncer e tentam, a partir de cada descoberta, planejar uma substância que possa interromper as reações químicas geradas pelas diferentes células malignas.

A genética na rotina

A perspectiva é que, dentro de mais alguns anos, todo paciente chegue ao hospital e, além do exame morfológico, seja submetido a um exame genético que classificará sua doença adequadamente
Esse enfoque é favorecido por tecnologias como o sequenciamento genético de última geração, que tem permitido avançar no mapeamento das alterações genéticas dos diferentes tipos de câncer. Alguns deles já foram mapeados. Há dois projetos de pesquisa de grande envergadura nessa área. Um é realizado por um consórcio internacional que envolve instituições de pesquisa de todo o mundo. O outro é o Atlas do Genoma do Câncer, em andamento nos Estados Unidos. No Brasil, hospitais de ponta estão se equipando para realizar o exame, aproveitando as informações geradas por esses projetos.
“A perspectiva é que, dentro de mais alguns anos, todo paciente chegue ao hospital e, além do exame morfológico, seja submetido a um exame genético que classificará sua doença adequadamente”, acredita o Dr. Fabio Pires de Souza Santos, hematologista do Einstein. Em sua especialidade, que envolve o tratamento de leucemias e linfomas, a técnica é cada vez mais usada. “Olhando no microscópio, as células parecem iguais. Mas um mesmo tipo de câncer pode ter diferentes alterações genéticas, o que muda a resposta ao tratamento e as chances de cura.”

Avanços no diagnóstico e tratamento

Paralelamente, surgiram outras tecnologias e métodos para diagnosticar mais acurada e precocemente as doenças.
Na área de urologia, o uso do marcador tumoral PSA, que mede os níveis de determinada substância no sangue, e exames de imagem tornaram-se ferramentas para tratar mais cedo o câncer de próstata. “São métodos pouco invasivos e de baixo custo. Muitas pessoas acabaram descobrindo tumores antes que eles apresentassem os primeiros sintomas”, comenta o Dr. Gustavo Lemos, urologista do Einstein.
Antes, segundo ele, a identificação era feita principalmente quando o tumor estava grande, pelo toque retal, ou quando o paciente apresentava metástase óssea. “Na era pós-PSA, houve uma redução de 25% na mortalidade por câncer de próstata nos Estados Unidos”, observa. O mesmo aconteceu com o câncer de rim, que só dava sinal em estado avançado. “Agora, em vez de tirar o rim, em muitos casos é possível remover apenas a parte afetada, mantendo um órgão importante para a longevidade do paciente”.
Na era pós-PSA, houve uma redução de 25% na mortalidade por câncer de próstata nos Estados Unidos
A abordagem do câncer de mama também mudou. Há cerca de duas décadas, esse tumor era, quase sempre, submetido à cirurgia radical. “O câncer passou a ser visto como uma doença sistêmica, o que tornou possível a realização de cirurgias menores e a adoção de terapias complementares, como radioterapia, hormonioterapia e quimioterapia. A associação de diferentes técnicas melhorou o prognóstico das pacientes”, diz o Dr. Silvio Bromberg, mastologista do Centro de Oncologia do Einstein.
Ele conta que a descoberta de dois genes ligados à hereditariedade do câncer mamário, na década de 1990, deu origem aos exames genéticos para mapear a predisposição para a doença e, a partir daí, adotar medidas preventivas. Do mesmo modo, os avanços nos testes moleculares, que permitem determinar a identidade do tumor, possibilitam planejar o tratamento de forma individualizada e, também, mais localizada. “Antigamente, um tumor de um centímetro era considerado menos perigoso que um de três centímetros. Hoje, sabe-se que nem sempre isso é verdade. Há tumores muito pequenos que são de extrema gravidade e outros que, apesar de maiores, podem ser menos nocivos. Existe uma maior consciência sobre saúde mamária”, afirma o Dr. Silvio Bromberg. Atualmente, os tumores de mama são analisados minuciosamente quanto às suas características moleculares já na biópsia inicial, o que pode levar a condutas muito mais precisas e específicas para cada caso.
Outro aspecto que evoluiu foi o estético. Mesmo quando o caso exige uma intervenção mais radical, a reparação da mama pode ter um resultado mais satisfatório para a paciente.

Novo conceito em radioterapia

O Dr. Eduardo Weltman, coordenador do Serviço de Radioterapia do Einstein, conta que a radioterapia sofreu uma transformação radical nos mais de trinta anos em que atua na área. No início, eram tratadas regiões anatômicas – a pélvica, por exemplo, em caso de câncer de próstata. O desenvolvimento de recursos como tomografia, ressonância magnética, PET-CT e espectroscopia possibilitaram a obtenção de imagens tridimensionais de altíssima resolução. Essas técnicas permitem identificar a localização exata e a extensão do câncer e, assim, planejar a terapia mirando apenas o tumor, protegendo os órgãos e tecidos próximos.
“O objetivo é customizar ao máximo o tratamento, de modo a dar a dose mais adequada ao volume do tumor e, ao mesmo tempo, a mínima possível nos tecidos normais”, explica o Dr. Eduardo. O mecanismo mais eficiente para assegurar que o tratamento seja feito de acordo com o que foi planejado é a radioterapia guiada por imagem, conhecida pela sigla IGRT. Um dos métodos mais avançados para isso é a realização de uma tomografia computadorizada em tempo real, que é comparada com a imagem tomada na etapa de planejamento, checando e ajustando o posicionamento do paciente segundos antes de iniciar a radioterapia. Se a pessoa emagreceu ou está inchada, é comum haver um deslocamento da distribuição da dose de radioterapia.
Além da segurança, outro ganho é a velocidade do tratamento propiciada por uma tecnologia denominada Rapid Arc. O aparelho descreve uma rotação ao redor do paciente, enquanto aplica a radiação com altíssima precisão. Antes de seu advento, uma sessão de radioterapia para tratar um câncer de cabeça e pescoço, utilizando as técnicas mais modernas disponíveis, demorava entre quinze e vinte e cinco minutos. Atualmente, ela é feita em aproximadamente três minutos, exigindo que o paciente fique menos tempo com máscara e imobilizado.
O objetivo é customizar ao máximo o tratamento, de modo a dar a dose mais adequada ao volume do tumor e, ao mesmo tempo, a mínima possível nos tecidos normais
Outro recurso inovador é a radioterapia guiada por imagem associada ao gating, técnica que usa marcadores internos e refletores ópticos para determinar com precisão a localização de tumores em áreas que se mexem durante a terapia. Se o paciente tem uma lesão no fígado, por exemplo, o movimento respiratório pode deslocar a lesão para fora do volume irradiado. O gating possibilita definir uma pequena janela do ciclo respiratório para liberar o feixe de radioterapia, poupando também os tecidos sadios que se movem junto com o tumor.

Cirurgias menos invasivas e mais eficazes

A evolução foi expressiva também nas técnicas cirúrgicas, com o aparecimento da endoscopia e videolaparoscopia e, mais recentemente, com o uso da robótica. Disponível em alguns hospitais brasileiros, a tecnologia levou as cirurgias minimamente invasivas a um novo patamar.
Dotado de braços articulados e totalmente flexíveis, aos quais estão conectados pequenos instrumentos e câmera, o robô reproduz os movimentos do cirurgião com uma série de benefícios. Elimina os tremores das mãos, oferece uma imagem tridimensional ampliada em doze vezes do campo operatório, e precisão de movimentos em áreas difíceis de serem acessadas com as mãos. A cirurgia é feita por meio de pequenas incisões, reduzindo o tempo de recuperação do paciente, o sangramento, a dor e a necessidade de medicação. “E com a mesma eficácia da cirurgia aberta no controle de câncer”, pondera o Dr. Gustavo Lemos.
Mesmo os procedimentos mais severos, como a retirada da mama, evoluíram uma enormidade. Em alguns casos, é possível fazer a cirurgia preservando a pele, de maneira que a reconstrução tenha um aspecto estético melhor.

Cuidado multidisciplinar

Segundo o Dr. Dino Altman, cirurgião oncológico do Einstein, a tendência é aprofundar a abordagem multidisciplinar ao paciente. “Hoje, dependendo do momento em que é feito o diagnóstico, o primeiro procedimento ainda é a cirurgia. Mas, na grande maioria dos pacientes, é empregada uma série de estratégias que, associadas, auxiliam o tratamento. Ele pode começar com radioterapia ou quimioterapia, com ambos ou um deles junto com a cirurgia.”
Hoje, dependendo do momento em que é feito o diagnóstico, o primeiro procedimento ainda é a cirurgia. Mas, na grande maioria dos pacientes, é empregada uma série de estratégias que, associadas, auxiliam o tratamento
Os novos procedimentos incluem, por exemplo, o dos linfonodos sentinela, assim chamados os primeiros gânglios linfáticos a receberam as células drenadas pelo tumor. O paciente passa pela medicina nuclear e recebe uma injeção de um marcador radioativo que gruda no linfonodo sentinela, facilitando sua identificação e retirada para biópsia. Se o resultado é negativo, fica descartada a necessidade de cirurgia para retirada dos demais gânglios linfáticos, comum nos casos de câncer de mama e melanomas (câncer de pele).
Outro mecanismo empregado no tratamento de alguns tumores da cavidade abdominal é a quimioterapia local associada à hipertermia. Durante a cirurgia, a área é lavada com uma solução com alta concentração de quimioterápico a cerca de 40 graus. O medicamento não é absolvido pelo sangue, apenas pelas células neoplásicas. A temperatura serve para dilatar os vasos, facilitando a absorção. Há, ainda, a radioablação, usada para destruir as células cancerígenas por micro-ondas ou radiofrequência, e a crioablação, que usa o congelamento.

Arsenal mais poderoso

A maior compreensão sobre a biologia do câncer já propiciou o desenvolvimento de um incrível arsenal de medicamentos. Surgiram novos quimioterápicos e também remédios para atacar mecanismos alterados nas células malignas. O medicamento que inaugurou essa nova era da farmacologia foi o imatinib, usado no tratamento de uma doença rara, a leucemia mielóide crônica. Desencadeada por uma única alteração genética que leva à produção de uma proteína anômala, chamada BRC-ABL, essa mutação faz com que a célula do sangue se replique incessantemente. O medicamento conseguiu inibir essa proteína, bloqueando sua replicação. Com isso, o tratamento da leucemia mielóide crônica passou de uma combinação altamente tóxica de quimioterapia e transplante de medula para um tratamento simples, feito por via oral, que normaliza a contagem sanguínea dos pacientes. Alguns indivíduos com esse tipo de leucemia estão há mais de 10 anos com exames de sangue totalmente normais, em tratamento contínuo com a droga.
Esse conceito deu origem às chamadas terapias-alvo, com remédios capazes de combater o câncer por meio da inibição de enzimas que favorecem seu crescimento. Alguns são comprimidos orais com elevado grau de tolerância pelo organismo e que, muitas vezes, podem ser usados em conjunto com a quimioterapia tradicional. Somente para dar um exemplo: o câncer de rim, doença de tratamento quase impossível até o ano de 2005, conta hoje com um arsenal de sete drogas inteligentes disponíveis no mercado, o que causou uma revolução no tratamento da doença num curto espaço de tempo.
Outras vezes, trata-se de anticorpos que são injetados junto com a quimioterapia e que melhoram de maneira surpreendente os resultados do tratamento. O primeiro alvo desse tipo de tratamento foi o tumor de mama e, em seguida, os linfomas, o câncer de intestino, de pulmão e de cabeça e pescoço, entre outros. “Foi um enorme avanço. Os anticorpos monoclonais aumentaram muito as chances de cura de pacientes com linfoma”, afirma o Dr. Fabio Santos.
Os anticorpos monoclonais aumentaram muito as chances de cura de pacientes com linfoma

Suporte ao paciente

A detecção precoce e os tratamentos mais eficazes têm impactado positivamente a população. A mortalidade do câncer de mama começou a diminuir nos países desenvolvidos a partir de 1987 e, até 2007, caiu entre 25 e 30% nos países de primeiro mundo, em consequência da detecção precoce e de tratamentos mais eficazes, de acordo com o Dr. Sérgio Simon. A sobrevida de pessoas com câncer de cólon triplicou em dez anos. “O prolongamento da sobreviva é uma realidade. A mortalidade caiu e quem não é curado vive mais e melhor.”
Mesmo quem tem de enfrentar um longo período de tratamento conta com recursos para aliviar tanto os efeitos colaterais quanto os sintomas da doença. Até pouco mais de uma década, não era incomum o paciente abandonar a quimioterapia porque não suportava a náusea e o vômito. Muito diferente da realidade atual, em que muitos pacientes passam por todo o tratamento sem um único episódio de enjoo.
Remédios de última geração que estimulam o organismo a produzir defesas reduziram os riscos de infecções graves, as mucosites – perda da mucosa oral e intestinal –, as fraturas decorrentes de perdas ósseas severas e as anemias, outro grave problema enfrentado pelas pessoas com câncer. “A qualidade de vida dos pacientes melhorou muito”, afirma o Dr. Dino Altmann.
O tratamento do câncer tende a ser, segundo os especialistas, cada vez mais dirigido a um alvo bioquímico específico da célula tumoral, atingindo seu “ponto fraco” e poupando as células normais. O caminho, no futuro, é que o câncer seja visto e tratado como doença crônica. E, nunca mais, como sentença de morte.


Fonte: www.einstein.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário