A NOTICIA EM PRIMEIRA MÃO

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Uma mulher e uma missão

"O Prêmio Nobel merece essa mulher", dizia Frei Betto. Seu maior feito foi diminuir a distância entre intenção e prática. Com a Pastoral da Criança, a m´dica catarinense espalhou pelo Brasil, América Latina e África um plano simples e certeiro para salvar milhares de crianças da morte. Morreu em combate a missionária que nunca abandonou a trincheira por um mundo mais justo e humano.


     "Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores, das ameaças e dos perigos, devemos cuidar de nossas crianças como um bem sagrado." O último discurso que Zilda Arns proferiu, com o sotaque catarinense carregado e o sorriso de sempre, resume bem a causa a que a médica missionária dedicou toda a vida: tirar de milhares de bebês e crianças a morte como destino provável.
     Zilda valorizava muito o que ela própria havia recebido na infância: "Meus pais me criaram com aquilo que existe de melhor: leite de peito, carinho e alegria. Isso representa uma escola de amor, diálogo e saúde". O casal era descendente de alemães e preservava a cultura do país europeu na zona rural da pequena Formiguinha, onde a família morava, em Santa Catarina.
     A menina herdou dos pais a forte religiosidade e o engajamento social. Ele era líder comunitário na cidade. Ela, uma espécie de enfermeira e educadora social. Zilda, a décima terceira filha, sempre gostou de ajudar a mãe no trabalho.
     Ao bater o pé que aspirava ser médica, porém, o pai encrencou. Queria que a menina fizesse pedagogia, como as irmãs. Não era nada comum mulheres estudarem medicina. Os irmãos, entre eles o futuro cardeal arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, conseguiram persuadir seu Gabriel. No vestibular de Medicina da Universidade Federal do Paraná, em 1953, passaram 114 homens e apenas seis mulheres. Uma delas era Zilda, aos 17 anos.
     Assim que começou a lidar com os pacientes do hospital onde foi a primeira mulher a estagiar, teve certeza de que havia feito a escolha certa. Sempre estudou muito, mesmo depois de formada. Apesar disso, soube confiar como poucos nos saberes populares, nos recursos simples, nas práticas tradicionais.

Multiplicação do saber: A jovem médica formou-se no mesmo mês do casamento com Aloísio, pai de seus cinco filhos. Se o anel de formatura usou para o resto da vida, uma fatalidade lhe tirou a aliança de casada: o marido morreu afogado no mar aos 46 anos. Nessa época, ela já dirigia os postos de saúde de Curitiba, onde instituiu uma liga de educação das mães. Precisou afastar-se para cuidar sozinha dos próprios filhos pequenos. Mas não parou de trabalhar. Cuidou do Ano Internacional da Criança promovido pela Unicef em 1979 e criou um programa de vacinação em Curitiba que foi adotado em todo o País.
     Em 1982, o presidente da Unicef pediu ao cardeal Paulo Evaristo Arns, na Suíça um plano para a Igreja tentar agir pela diminuição da assustadora mortalidade infantil da época. Dom Paulo não pensou duas vezes ao encaminhar a tarefa para a irmã. Nos 27 anos como gestora em saúde pública, ela havia percebido que sempre faltava alguém próximo às mães, que pudesse orientá-las. Esse é o embrião da Pastoral da Criança, o grande projeto da vida de Zilda.
     Uma das maiores vantagens do plano, hoje encampado pelo poder público, é propagar medidas simples e baratas, como soro caseiro contra desidratação,  uma multimistura e o acompanhamento mensal das mães e  crianças. O outro grande mérito é que os cuidados são difundidos pelas próprias mulheres atendidas, que se tornam agentes sociais e multiplicação do saber. Criamos uma rede", explicava a missionária.
     



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