A NOTICIA EM PRIMEIRA MÃO

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Em defesa da eleição dos analfabetos

Eles não podem ser proibidos de ter mandato político porque o Estado falhou em educá-los. Há outros e mais sérios analfabetismos políticos a serem combatidos.
TEXTO: Daisy Moreira Cunha

ACEITAR o voto dos analfabetos e recusar sua elegibilidade significa dar lhes meia cidadania. Votar e não poder ser votado é ter a metade do direito político cassado. Ou seja, não é possível impedir a eleição de alguém porque o Estado falhou em educá-lo. O fato de um parlamentar, no Congresso ou nas câmaras de vereadores, não saber ler e escrever é problema de uma nação que se deseja desenvolvida. E, se a educação básica é direito de todos, a legislação não pode impedir a eleição dos analfabetos.
   Todos os dias muitos fatos políticos nos mostram que não somos salvos do analfabetismo político pelo domínio da leitura e da escrita. Depois dos anos 60, Paulo Freire, pedagogo brasileiro de renome internacional, já mostrava que iletrismo não é sinônimo de (in)cultura política, aquela que importa para a construção do bem comum.
   Analfabetismos são muitos: aquele dos tecnocratas da cultura da gestão eficiente que "azeitem" a máquina, mas deixem professores em greves infinitas e desgastantes; aquele que ainda permite a corrupção; e o que elege políticos cujos slogans são "Ser bom de serviço" e "Rouba, mas faz". Ou mesmo "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, não sei. Mas vote em mim que eu te conto" e "Pior que tá não fica". O autor das últimas frases tornou-se o deputado federal mais votado na última eleição e acabou acusado pelo Ministério Público de não saber ler e escrever. Fosse ele de fato analfabeto, deveria ser garantido o seu direito de se eleger, ainda que seu mote prestasse um desserviço à política. Mas isso nos impõe interrogar: que política é essa dos tempos de marketing e do voto obrigatório? Cabe ao Congresso rediscutir a inelegibilidade de quem não sabe ler e escrever.
    Hoje, a Proposta de Emenda Constitucional número 27/2010 espera a indicação de um relator na  Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. A PEC que autoriza a eleção dos analfabetos ainda está longe de ir para a votação em plenário. Os argumentos da Assembleia Nacional Constituinte para manter a negação desse direito, há 23 anos, parecem ultrapassados quando somos surpreendidos com o noticiário de que um deputado (entre tantos outros maus exemplos) foi condenado por trocar votos por laqueadora de trompas. Não saberia ler quem vendeu e quem comprou os votos?
    Segundo o Censo 2010 do IBGE, há 13,9 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais analfabetos. Isso significa 9,63% da população. Em pleno século 21, é um número mais do que absurdo.
   A imprensa, que notificou a polêmica em torno do deputado Tiririca e levou à ação do Minist´rio Público, não tem contribuído para apronfundar os debates cruciais da política nacional. E o Congresso, enquanto adia a discussão do tema, muito menos. Falta aos parlamentares, junto com a sociedade, combater os verdadeiros problemas da política brasileira.


FONTE: Revista Superinteressante




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